Feira: cheiros, temperos e versos
Aluno: Francisco Alves Quirino
Aluno: Francisco Alves Quirino
O sol ainda tímido fazia nascer uma bela manhã de sábado. Dia da
feira que movimenta o sertão pernambucano. Nos primeiros instantes matutinos
saio de casa junto com minha mãe. Nosso intuito era fazer as compras da semana.
As frutas, as verduras e os cereais compõem os itens básicos, cuja
densidade impregna nossa sacola de náilon colorido, onde mamãe guarda com zelo
os alimentos que irão nutrir toda a família durante mais sete dias.
Contornamos a praça e fomos à rua da feira. Ao passarmos pelas
primeiras barracas, o cheiro irresistível dos espetinhos de churrasco se
misturava à beleza atraente dos pastéis da barraca de dona Josefa, que não traz
a realeza em seu nome, mas verdadeiramente é a rainha na arte de fazer pastéis.
Mais adiante, o colorido das frutas se confunde com as verduras,
tornando-as brilhantes e quentinhas, aquecidas pelas centelhas de sol que
perpassam pelas frestas da lona que recobre as barracas. Minha mãe para e
compra algumas delas. Não muito longe, outra banquinha, esta de temperos, deixa
exalar um aroma agradável da pimenta sendo moída junto com o cominho, que,
girando na máquina, se transforma num pozinho fino, pronto para a alquimia dos
almoços deliciosos dos domingos. Não sei se já observaram, mas os cheiros têm o
poderoso mistério de nos transportar a lugares guardados em nossa memória e
nesse instante me veio à lembrança o odor convidativo das panelas aquecidas em
fogão a lenha, cujo perfume percorre terreiro a fora as casinhas do sertão.
A feira é o espaço de encontro do sertanejo, ela promove a união
da área urbana com a rural, lá ele compra, vende, conversa e aprende.
Nesse dia, a matriz permanece aberta para os fiéis campesinos,
pois para eles a necessidade de alimentar a fé se iguala à de alimentar o
corpo, tornando-o forte para enfrentar as dificuldades que a vida impõe.
Meu amigo leitor, confesso que ficar tanto tempo em pé me deixa
cansado e com vontade de voltar para casa, mas entre tantos outros sons
surgidos na feira um deles me chama a atenção. Esqueço meu cansaço e convenço
minha mãe a irmos aonde se encontra um aglomerado de pessoas formando um
círculo no meio do qual está um representante da mais autêntica cultura do nosso
povo: o cantador de viola.
Vejo de longe o protagonista, homem simples tal qual os outros que
ali estão. Porém, algo o diferencia, pois sob o sol das 11 horas ele dedilha o
instrumento e canta improvisadamente versos magistrais. Sua poesia abranda o
sofrimento, fazendo com que os espectadores esqueçam por um breve tempo todos
os seus eventuais problemas. As gargalhadas provocadas pelas sextilhas bem
humoradas e os aplausos calorosos pelos motes bem engendrados que em redondilha
menor denunciam os descasos maiores dos quais nossa gente é vítima me
contagiam. Eu fico encantado com tamanha imaginação, alguém com tão pouco
estudo, mas com tanta sensibilidade, para transformar em poesia o cenário do
sertão. O sertão que você, compadre leitor, conhece muito bem.
Prestigiamos o artista, enquanto ele exercia sua importante
profissão. Vimos muitos motes serem criados para desafiar a astúcia poética do
cantador. Os risos eram constantes, mas também houve o momento em que os que
ali estavam, ao ouvir uma estrofe sobre alguma casa de taipa abandonada,
inclinaram a cabeça repetidamente, em sinal de concordância e saudade.
O sol já estava no meio do céu. Era meio-dia. A apresentação
chegou ao fim e o poeta se despediu. Por fim, eu e minha mãe voltamos para casa
e nesse dia levei comigo três coisas: os cheiros, os temperos e os versos.
Professora: Patrícia Amaral Barbosa
Escola: Centro de Excelência Municipal Dom João José da Mota e Albuquerque –
Afogados da Ingazeira (PE)