domingo, 20 de novembro de 2016
sexta-feira, 12 de agosto de 2016
Mais um texto finalista da Olimpíada de Língua Portuguesa em 2014: a crônica “Feira: cheiros, temperos e versos”.
Feira: cheiros, temperos e versos
Aluno: Francisco Alves Quirino
Aluno: Francisco Alves Quirino
O sol ainda tímido fazia nascer uma bela manhã de sábado. Dia da
feira que movimenta o sertão pernambucano. Nos primeiros instantes matutinos
saio de casa junto com minha mãe. Nosso intuito era fazer as compras da semana.
As frutas, as verduras e os cereais compõem os itens básicos, cuja
densidade impregna nossa sacola de náilon colorido, onde mamãe guarda com zelo
os alimentos que irão nutrir toda a família durante mais sete dias.
Contornamos a praça e fomos à rua da feira. Ao passarmos pelas
primeiras barracas, o cheiro irresistível dos espetinhos de churrasco se
misturava à beleza atraente dos pastéis da barraca de dona Josefa, que não traz
a realeza em seu nome, mas verdadeiramente é a rainha na arte de fazer pastéis.
Mais adiante, o colorido das frutas se confunde com as verduras,
tornando-as brilhantes e quentinhas, aquecidas pelas centelhas de sol que
perpassam pelas frestas da lona que recobre as barracas. Minha mãe para e
compra algumas delas. Não muito longe, outra banquinha, esta de temperos, deixa
exalar um aroma agradável da pimenta sendo moída junto com o cominho, que,
girando na máquina, se transforma num pozinho fino, pronto para a alquimia dos
almoços deliciosos dos domingos. Não sei se já observaram, mas os cheiros têm o
poderoso mistério de nos transportar a lugares guardados em nossa memória e
nesse instante me veio à lembrança o odor convidativo das panelas aquecidas em
fogão a lenha, cujo perfume percorre terreiro a fora as casinhas do sertão.
A feira é o espaço de encontro do sertanejo, ela promove a união
da área urbana com a rural, lá ele compra, vende, conversa e aprende.
Nesse dia, a matriz permanece aberta para os fiéis campesinos,
pois para eles a necessidade de alimentar a fé se iguala à de alimentar o
corpo, tornando-o forte para enfrentar as dificuldades que a vida impõe.
Meu amigo leitor, confesso que ficar tanto tempo em pé me deixa
cansado e com vontade de voltar para casa, mas entre tantos outros sons
surgidos na feira um deles me chama a atenção. Esqueço meu cansaço e convenço
minha mãe a irmos aonde se encontra um aglomerado de pessoas formando um
círculo no meio do qual está um representante da mais autêntica cultura do nosso
povo: o cantador de viola.
Vejo de longe o protagonista, homem simples tal qual os outros que
ali estão. Porém, algo o diferencia, pois sob o sol das 11 horas ele dedilha o
instrumento e canta improvisadamente versos magistrais. Sua poesia abranda o
sofrimento, fazendo com que os espectadores esqueçam por um breve tempo todos
os seus eventuais problemas. As gargalhadas provocadas pelas sextilhas bem
humoradas e os aplausos calorosos pelos motes bem engendrados que em redondilha
menor denunciam os descasos maiores dos quais nossa gente é vítima me
contagiam. Eu fico encantado com tamanha imaginação, alguém com tão pouco
estudo, mas com tanta sensibilidade, para transformar em poesia o cenário do
sertão. O sertão que você, compadre leitor, conhece muito bem.
Prestigiamos o artista, enquanto ele exercia sua importante
profissão. Vimos muitos motes serem criados para desafiar a astúcia poética do
cantador. Os risos eram constantes, mas também houve o momento em que os que
ali estavam, ao ouvir uma estrofe sobre alguma casa de taipa abandonada,
inclinaram a cabeça repetidamente, em sinal de concordância e saudade.
O sol já estava no meio do céu. Era meio-dia. A apresentação
chegou ao fim e o poeta se despediu. Por fim, eu e minha mãe voltamos para casa
e nesse dia levei comigo três coisas: os cheiros, os temperos e os versos.
Professora: Patrícia Amaral Barbosa
Escola: Centro de Excelência Municipal Dom João José da Mota e Albuquerque –
Afogados da Ingazeira (PE)
quinta-feira, 11 de agosto de 2016
Uma das memórias literárias finalistas em 2014 é de aluna maranhense: "Pedra 'consinada'"
Pedra “consinada”
Aluna: Maria Clara Leal de Sousa
Hoje acordei cedinho, passei um café e fui para o quintal botar milho para as galinhas. Nem percebi que encostara naquela pedra preciosa trazida das cacimbas nos tempos de dona Noca, época em que quem tinha uma tropa de jumento era rico. O tempo passou sem que eu percebesse e lá se foram mais de setenta anos da minha vida, todos vividos nesta pequena cidade de São João dos Patos, no sertão maranhense.
Cá, sentada na velha cadeira de balanço, balançando a minha memória, relembro todas as histórias que vivi naquela casa de taipa, porta de talo de coco amarrada com um cordão velho, construída pelo meu avô. Uma saudade toma conta de mim e me embala rumo às minhas mais doces memórias de criança.
Ouço passos silenciosos dentro de casa na caída da noite. Sinto um toque suave no meu rosto e o perfume inconfundível da minha mãe toma conta do quarto velho e abafado. Acordei de manhãzinha com a candeia na mão para acender as trempes, pensando que era apenas um sonho bom, mas na realidade ela havia mesmo ido embora, e eu fiquei com meu pai, que trabalhava vendendo arroz, feijão e milho nas redondezas. As viagens eram demoradas, porque de vez em quando o jumento amuava e a labuta era grande para ele levantar.
Eu completava de 9 para 10 anos quando comecei a subir a ladeira para lavar roupa nas cacimbas, perto do olho-d’água. Muito antes de o sol nascer, as mulheres colocavam três caminhos de água e só depois saíam com suas trouxas de roupa na cabeça e uma penca de meninos correndo nas veredinhas atrás do “churrim” – cachorro vira-lata –, a poeira cobrindo o mundo e elas brigando com a gente. De longe dava para ouvir o tac, tac, tac da roupa batendo nas pedras e ressoando mato adentro.
De primeiro era assim: as mulheres mais velhas possuíam sua pedra “consinada”. Quando chegavam à cacimba e havia outra mulher lavando roupa no seu lugar, ela colocava a trouxa de roupa no pé da pedra e a outra logo levantava e ficava esperando até que pudesse terminar o trabalho. Imagine eu, na minha meninice, brincando com a espuma de sabão, correndo, pulando nas águas frias e cristalinas das cacimbas. O tempo passando e eu crescendo, até o dia em que finalmente ganhei a minha pedra preciosa. A felicidade foi tanta que nesse dia lavei até a minha alma.
Naquele tempo não havia escova, sabão em pó ou qualquer outra coisa que pudesse nos ajudar. A roupa era esfregada na mão, batida na pedra e colocada no quarador até que ficasse limpa como o céu no mês de agosto. O cheiro amargo do sabão de tipi, feito nas gamelas, tomava conta de nós e dos meninos que se escondiam atrás dos pés de jatobás para olhar as mulheres nuas tomando banho.
O rebuliço de mulheres correndo e se escondendo era grande, mas, no final, tudo terminava em graça. “Eita meninos danados do capeta, num tem quem possa com essas tranca ruim”, dizia dona Deusina. Depois daquele banho gostoso era hora de comer banana com farinha e fazermos o mesmo caminho de volta. À noite, o ponto de encontro para a prosa era no único poste da cidade que ficava bem ali na esquina. Sentada no tamborete, enquanto os outros papeavam, eu admirava a beleza daquela candeia que não precisava de querosene.
Agora durmo até mais tarde, levanto e ligo a máquina de lavar roupa, que jamais pensei um dia possuir. Já velha e com a vista curta, avisto-a no fundo do meu quintal, aquela que mandei buscar de tão longe para ficar ao meu lado, aquela que sustentou os meus seis filhos, aquela que me faz mergulhar nas minhas lembranças: minha pedra preciosa, que está “consinada” no meu coração.
(Texto baseado na entrevista feita com a senhora Andrelina Rosa de Alencar, 71 anos.)
Professora: Iris Nazaré Barros dos Santos
Escola: U. E. Padre Santiago S. Prieto – São João dos Patos (MA)
quarta-feira, 10 de agosto de 2016
Textos finalistas da Olimpíada de Língua Portuguesa 2014: dois poemas
Os dois lados do rio
Aluna: Amanda Gabrielly Dutra Alves
Aluna: Amanda Gabrielly Dutra Alves
Lá de longe eu vi
As crianças ricas no shopping comprar,
Lá de longe eu vi
As crianças pobres no barranco a chorar.
As crianças ricas no shopping comprar,
Lá de longe eu vi
As crianças pobres no barranco a chorar.
Lá de longe eu vi
As crianças ricas um tacacá saborear,
Lá de longe eu vi
As coitadinhas pobres na poeira se apagar.
As crianças ricas um tacacá saborear,
Lá de longe eu vi
As coitadinhas pobres na poeira se apagar.
Lá de longe eu vi
Os ricos no alagadão em sua lancha ostentar,
Lá de longe eu vi
Os pobres para abrigos se mudar.
Os ricos no alagadão em sua lancha ostentar,
Lá de longe eu vi
Os pobres para abrigos se mudar.
Lá de longe eu vi
As crianças ricas ovo de Páscoa ganhar,
Lá de longe eu vi
As crianças pobres o barro moldar.
Lá de longe eu vi
As crianças ricas só estudar,
Lá de longe eu vi
As crianças pobres também da família cuidar.
As crianças ricas só estudar,
Lá de longe eu vi
As crianças pobres também da família cuidar.
Lá de longe eu vi
Muitas mudanças o Acre passar,
Mas o rico sempre no domínio
E o pobre, com as lutas, sua mão calejar.
Muitas mudanças o Acre passar,
Mas o rico sempre no domínio
E o pobre, com as lutas, sua mão calejar.
Professor: Alan Henrique Oliveira de Almeida
Escola: Escola Padre Carlos Casavecchia – Rio Branco (AC)
Escola: Escola Padre Carlos Casavecchia – Rio Branco (AC)
* * *
O meu lugar nas linhas de tantos tempos
Aluna: Miriã de Souza Nascimento
Aluna: Miriã de Souza Nascimento
No desenrolar das linhas
É que eu enxergo o meu lugar,
São dois tipos de linhas
Sobre os quais vou lhe contar.
Entenda a origem do nome:
Vem das linhas do papel.
E a economia local:
Das linhas do carretel.
É um nome literário
Que batiza o meu lugar:
“Urupês”, nome de livro,
Pra Lobato eternizar.
O nome “Mundo Novo”
Era o nome anterior,
Por causa do café
E de todo o seu valor.
O interior do Brasil,
Jeca, o caipira doente,
As linhas de Lobato
Conversam com nossa gente.
Jeca, o caipira doente,
As linhas de Lobato
Conversam com nossa gente.
Então, quiseram mudar,
Trocaram “Mundo Novo”
E puseram “Urupês”,
Com a aceitação de seu povo.
Trocaram “Mundo Novo”
E puseram “Urupês”,
Com a aceitação de seu povo.
E a terra do grão vermelho
Continuou sua missão,
Produzindo café forte
Para o resto da nação.
Continuou sua missão,
Produzindo café forte
Para o resto da nação.
Mas essa planta acabou
E depois veio o limão
Para sustentar as famílias
Que não tinham outra opção.
E depois veio o limão
Para sustentar as famílias
Que não tinham outra opção.
Duas décadas depois,
Outro cenário surgiu
E Urupês se transformou
Num alambique do Brasil.
Outro cenário surgiu
E Urupês se transformou
Num alambique do Brasil.
Há muita cana e limão,
Roda muito caminhão,
Produzindo etanol
Para toda esta nação.
Terra do norte do Estado,
Perto do rio Cubatão,
Hoje é urbana e o que mais tem
É fábrica de confecção.
Perto do rio Cubatão,
Hoje é urbana e o que mais tem
É fábrica de confecção.
Para os rios, as chuvas faltaram,
Ninguém vê que a culpa é sua,
Em tempos de tanta seca,
Jogam água até na rua.
Ninguém vê que a culpa é sua,
Em tempos de tanta seca,
Jogam água até na rua.
Por isso, é nas entrelinhas
Que eu posso assinalar:
Literatura e costura,
Os dois focos do lugar.
E é nas linhas desta história
Que se preserva a memória
De um município pequeno
Onde até o mal é mais ameno.
Que se preserva a memória
De um município pequeno
Onde até o mal é mais ameno.
Professora: Priscila Pereira
Paschoa
Escola: E. M. E. F. Professor Athayr da Silva Rosa – Urupês (SP)
Escola: E. M. E. F. Professor Athayr da Silva Rosa – Urupês (SP)
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